Almanaque Borda d’Água – Calendário Agrícola

Almanaque Borda d'Água

O Almanaque Borda d’Água é um dos maiores símbolos da cultura rural portuguesa. Publicado ininterruptamente desde 1929, continua a ser um guia prático e popular que atravessa gerações. Passados tantos anos, mantém-se como uma referência indispensável não só para agricultores tradicionais, mas também para hortelãos urbanos, novos produtores biológicos e até curiosos que o compram apenas para manter viva a tradição.

Este almanaque, que se apresenta como “o verdadeiro almanaque da natureza”, descreve-se como um “reportório útil a toda a gente”. Dentro dele podemos encontrar:

  • Previsões meteorológicas para cada estação;
  • Calendário agrícola, com épocas de sementeira e colheita;
  • Conselhos de sabedoria popular, incluindo provérbios, mezinhas e truques práticos;
  • Informações astronómicas, como fases da lua e influências na agricultura;
  • Indicações sobre o mar e as marés, úteis para comunidades piscatórias;
  • Efemérides e curiosidades, que reforçam a ligação entre cultura e natureza.

Ao longo dos anos, o Borda d’Água tornou-se muito mais do que um simples almanaque: é um reflexo da identidade rural portuguesa e um aliado valioso para quem procura produzir de forma sustentável, em sintonia com os ritmos da natureza.

Neste artigo, vamos percorrer as principais indicações agrícolas do Borda d’Água mês a mês, com foco naquilo que é mais útil para quem mantém uma horta em Portugal.

O Borda d’Água nas aldeias portuguesas

Durante grande parte do século XX, quando a televisão e a internet ainda não faziam parte do dia a dia, o Almanaque Borda d’Água era uma das principais fontes de informação para as comunidades rurais.

Nas aldeias, havia quase sempre um exemplar na cozinha, pendurado num prego, ou guardado num bolso do avental do agricultor. Não era apenas um guia agrícola: era um livro de consulta diária. As pessoas recorriam a ele para:

  • Saber quando semear e plantar – os agricultores seguiam as indicações de cada mês, adaptando o trabalho da terra às fases da lua e ao clima previsto;
  • Consultar as previsões do tempo – antes de haver meteorologistas na televisão, o Borda d’Água era a “estação meteorológica” da aldeia;
  • Ler provérbios e mezinhas populares – transmitiam ensinamentos práticos e serviam também como momentos de conversa entre vizinhos;
  • Organizar festas e romarias – o almanaque incluía calendários religiosos e feiras agrícolas, ajudando as comunidades a planear o ano;
  • Guiar os pescadores e marítimos – nas zonas costeiras, as tabelas de marés eram essenciais para a pesca.

O almanaque era tão importante que muitas famílias compravam todos os anos o novo exemplar, quase como um ritual. Havia quem o guardasse com cuidado, formando coleções que hoje são documentos valiosos da memória rural portuguesa.

Borda d’Água - semear

Importância cultural e simbólica

O Borda d’Água não é apenas um manual agrícola: é um património cultural. Representa a ligação entre o povo português e a terra, e a sabedoria acumulada ao longo de séculos.

  • Memória viva da ruralidade – reflete um tempo em que o trabalho do campo estava totalmente dependente dos ciclos da natureza;
  • Tradição que atravessa gerações – avós transmitiam aos netos não só o gosto pela horta, mas também o hábito de consultar o almanaque;
  • Símbolo de resistência cultural – mesmo com os avanços da tecnologia e da agricultura moderna, o Borda d’Água continua a ser publicado e lido;
  • Fonte de identidade nacional – tal como o fado ou os provérbios, faz parte da cultura popular que define a portugalidade.

Hoje em dia, o almanaque já não é a única fonte de informação agrícola, mas mantém-se como um objeto de afeto e tradição. Muitos jovens agricultores e hortelãos urbanos compram-no não só pela utilidade prática, mas também pela ligação simbólica às suas raízes.

Calendário agrícola do Borda D’Água

Janeiro

“Bons dias em janeiro enganam o homem em fevereiro”

Lavoura das terras e preparação das culturas de Inverno, como a da batata, iniciando-se onde for possível, a plantação precoce. Semear fava, ervilha, alface e rabanete.

No Norte e no Centro – semear couve galega, nabo, nabiça, rabanete, salsa e tomate.
No Sul – semear cenoura, couves, ervilha, feijão, nabiça e tomate.
Em estufa ou cama quente – plantar pepino, melão, pimento. Semear canteiros de cenoura, alho, cebola, alface, ervilha, alho-francês e salsa.
Na Horta – semear (em canteiros ou alforges bem abrigados e defendidos das geadas) alface romana, couve repolho, e rabanete.

Fevereiro

“Neve em fevereiro, presságio de mau celeiro”

As terras para sementeira de primavera devem estar lavradas.
No Norte e Centro – semear alface (a transplantar em março – abril), couves, nabo, nabiça, pimento, alho-francês, repolho, feijão e tomate.
No Sul – semear abóbora, cenoura, couves, ervilha, pimento, feijão, nabiça, pepino, tomate e melancia. Transplantar as cebolas a colher em maio-junho e as couves semeadas em dezembro a colher em junho-julho (repolhos). Plantar batata (colher em junho).
Na horta – semeara alho-francês, beterraba, cebola, cenoura, coentro, couve-flor, espargos, ervilha espinafre, fava, feijão, melancia, nabiça, pimento, rabanete, repolho, salsa, segurelha e tomate.

Março

“Em março, onde quero eu passo”

Prepara a terra para o milho e a batata de regadio.
Na horta – preparar as estacas para feijões e ervilhas.
Semear abóbora, melancia, melão, pepino, salsa, tomate.

Abril

“As manhas de abril, são doces de dormir”

Em abril mondar a sachar os campos semeados no mês anterior; rega matutina.
Plantar espargos e morangueiros.
Na horta – semear (no Crescente) em local definitivo, abóbora, batata, beterraba, brócolos, cenoura, couves, fava, feijão, melão, melancia, nabo, pepino e tomate.
Nos últimos dias do mês, semear feijão temporão.

Borda D'água - transplantar

Maio

“O maio me molha, o maio me enxuga”

Semear girassol.
Na horta – (no Crescente), em local definitivo, semear e plantar aboboras, agrião, alface, beterraba, brócolos, cenoura, couves, espinafres, feijão, melancia, melão, nabo, pepino, pimentos, rabanetes, repolho.
Plantar tomate e tratar o já plantado com calda bordalesa.

Junho

“Junho floreiro, paraíso verdadeiro”

Na horta – semear em viveiro alface, alho-francês, repolho, couve-flor, couve-bruxelas, couve-nabiça, couve-rábano e couve-galega.
Em local definitivo semear cenoura, nabo, rabanete, salsa.
Colher a batata de fevereiro.
Cuidar dos morangos.
Continuar a sementeira de feijão para consumo em verde.
Plantar batata, pimento e tomate.
Colher cebola, alho e aipo da sementeira de janeiro.

Julho

“Em julho, debulhar”

Na horta – semear agriões, alfaces, cenoura, feijão de trepar e anão, nabo, rabanete, repolho, salsa, couve-Bruxelas, couve-nabiça e couve-flor.
Semear feijão-verde e alfaces (para antes dos primeiros frios do Inverno), nabos e couves tardias.
No final do mês, semear cenoura, rabano, salsa, beringela, cebola, cenouras, couves, espinafres de verão, feijão e tomate.

Agosto

“Quem casa em agosto, não casa a gosto”

Na horta – em local definitivo, semear agriões, espinafres, feijão, nabo, rabanete, repolho de inverno, salsa.
Em canteiro, semear acelga, alface e couve nabiça.
Cavar e sachar as hortaliças.
Em estufa, semear ervilha e feijão.

Setembro

“Em setembro, vindimar”

Na horta – semear, ao ar livre e em local definitivo, agriões, cenouras, feijão, nabo, rabanete, repolho, salsa.
Em canteiros, semear acelgas, alfaces, alho-francês, cebolas e tomates.
Plantar com as primeiras chuvas, os morangueiros, regando até pegarem.
Colher feijões e cebolas maiores para semente.

Outubro

“Em outubro, o lume já é amigo”

Na horta – resguardar do gelo e prepara canteiros para a sementeira de alface e cebola. Semear em local definitivo agriões, cenouras e rabanetes.
Colher feijões.
No fim do mês, plantar morangueiros, alhos e cebolinhas.
Colocar em local definitivo as couves de Primavera e a alface de Inverno.

Novembro

“Em novembro, põe tudo a secar, que pode o sol não voltar”

Na horta – semear agrião, alface, cenoura, couves, com exceção da couve-flor e brócolos. Plantar batata (nas zonas secas), alho, couve temporã, tremoço.
Semear fava, ervilha, e em camas quentes, alface, beterraba, cebola, nabiça, nabo, rabanete e tomate.

Dezembro

“Em dezembro chuva, em agosto uva”

Resguardar as plantas do gelo.
Onde mão houver geadas, continuam as sementeiras de cebola, couves, beterraba, nabiça, pimentos, tomate e salsa.
Em sítios abrigados pode-se ainda semear agriões, espinafres, alfaces, favas e ervilhas.

Conclusão

O Almanaque Borda d’Água mantém-se como um guia valioso para organizar trabalhos agrícolas ao longo do ano. A sua combinação de tradição, sabedoria popular e experiência prática continua a ser útil tanto para agricultores experientes como para quem tem apenas uma pequena horta caseira.

Seguir as suas orientações mês a mês ajuda a planear melhor as sementeiras, prevenir doenças e otimizar colheitas. Mais do que um simples calendário agrícola, o Borda d’Água é um testemunho vivo da ligação entre o povo português e a natureza.

O Almanaque Borda d’ Água é editado pela Editorial Minerva

Partilhe este artigo

Fale conosco

Que artigos mais aprecia no site?
Em que podemos ajudar?