Quem quer cultivar os seus alimentos de modo biológico, ouve muitas vezes falar do termo “Luta Biológica”. Rapidamente associamos isso com o combate às pragas da horta de modo natural. Mas, sabe como funciona? Quais são os principais organismos envolvidos e a função de cada um? Neste artigo, vamos responder a estas perguntas de modo simples, usando uma linguagem fácil de entender mesmo por quem não tem formação em biologia.
A luta biológica baseia-se no conhecimento científico de que todos os artrópodes (insetos) possuem inimigos naturais que limitam o seu número, originando o chamado controlo natural, pelo que é um método que tem sido considerado ambientalmente benigno.
Para simplificar o conteúdo deste artigo, em vez de usarmos o termo “artrópodes”, vamos usar os termos “organismos prejudiciais” e “organismos auxiliares”. Evidentemente que a designação “prejudiciais” e “auxiliares” é apenas do ponto de vista agrícola. Para saber em detalhe o que são os Artrópodes pode aceder aqui.
Breve história da luta biológica
A luta biológica não é uma ideia recente. Quando os primeiros agricultores observaram que certos insetos indesejáveis eram mortos e comidos por outros insetos, surgiu a ideia de utilizar organismos auxiliares para reduzir a pressão e os danos causados pelos inimigos das culturas. Está documentado que na china antiga utilizavam colónias de formigas da espécie (Oecophylla smaragdina F.) para combate algumas pragas nas laranjeiras e certos aranhiços para reduzir as populações de insetos.
A primeira experiência de luta biológica bem-sucedida e em grande escala foi realizada em 1988 na Califórnia no EUA. Os pomares de citrinos estavam em risco, infestados pela cochonilha-algodão (lcetya purchasí) que era originária da Austrália. Os investigadores encontraram na Austrália dois predadores naturais dessa cochonilha e os introduziram no ecossistema dos pomares. Esses inimigos eram o predador coccinelídeo (Rodolia cardinalis) (vedália) e o parasitoide (Cryptochetum icerya).
Seguiram-se outras experiências bem-sucedidas. Já no início do seculo XX, em França, foi introduzido o parasitoide (Aphelinus mali) no combate ao pulgão-lanígero (Eriosoma lanigerum) nas macieiras e na Alemanha, foi usado o parasitoide (Prospaltella pernicíosi) na luta biológica contra a cochonilha de São José (Quadraspidiotus perniciosus).
Em Portugal também foram feitas várias experiências nesta área. Contudo, a luta biológica só começou a ser considerada com mais seriedade nos anos 60 do seculo XX. A luta química tinha-se tornado no padrão para combater as pragas. contudo, começaram a surgir os efeitos negativos. As pragas começavam a criar resistência aos pesticidas, eram conhecidos graves problemas de poluição da água e dos solos bem como do extermínio de aves, peixes e outros animais, bem como consequências muito negativas para a saúde humana.
Perante tudo isto, a luta biológica voltou a estar em cima da mesa como uma alternativa a ter em conta e investigação ganhou um novo impulso. Hoje em dia, estão estudados centenas de organismos auxiliares na luta biológica.
Organismos auxiliares na luta biológica
Os organismos auxiliares na luta biológica podem dividir-se em dois grandes grupos, conforme o modo como atuam: parasitoides e predadores.
Os parasitoides são insetos de tamanho muito reduzido, inferior ao dos hospedeiros e vivem em permanente contacto com um organismo hospedeiro, de que se alimentam, causando-lhe a morte mais ou menos rápida. A maioria dos parasitoides são muito especializados, parasitando apenas uma espécie ou grupo de espécies bem definidos. Entre os parasitoides, destacam-se inúmeras espécies de Himenópteros e de Dípteros Taquinídeos.
Os predadores, com larvas ou ninfas geralmente muito móveis, perseguem e capturam as suas presas, das quais se alimentam total ou parcialmente. A maioria dos predadores são insetos e ácaros polífagos, eventualmente com determinadas preferências alimentares. O grupo dos predadores engloba espécies pertencentes a diversas ordens, famílias e géneros: Ácaros, Coccinelídeos, Sirfídeos, Crisopídeos, Antocorídeos e outros.
Auxiliares predadores mais importantes na luta biológica em Portugal
Ácaros: Os ácaros predadores, encontram-se normalmente na parte inferior das folhas, junto às nervuras e têm aspeto semelhante ao de uma minúscula aranha. Normalmente são incolores ou esbranquiçados, brilhantes, embora a sua coloração possa depender do tipo de alimento ingerido. Alguns são facilmente observados a olho nu, outro só com uma lupa.
Existem diversas famílias de ácaros que são uteis na luta biológica, mas a que mais se destaca é a família Phytoseiidae. Nesta família, as espécies (Amblyseius aberrans), (Phytoseiulus persimilis) e (Typhlodromus pyri) são as mais interessantes. Alimentam-se de ácaros fitófagos nocivos para as plantas, nomeadamente os tetraniquídeos e os eriofídeos.
Crisopídeos: Crisopas (Chrysoperla carnea). Alimentam-se essencialmente de afídios, mas também de moscas brancas, tripes e outras pragas. Veja este artigo para saber mais sobre as crisopas.
Coccinelídeos: Normalmente conhecidos como joaninhas. São talvez os auxiliares mais conhecidos dos Agricultores. As espécies mais interessantes na luta biológica são: (coccinella septempunctata, Adalia bipunctata, Rodolra cardinalis, Propylaea, quatuordecimpunctata, Stethorus punctillum, Scymnus spp). Alimentam-se essencialmente de afídios, ácaros, cochonilhas, psilas, ovos de outros insetos, pequenas larvas e outros artrópodes de corpo mole. Durante a sua vida uma só joaninha pode comer mais 1000 piolhos. Veja neste artigo mais detalhe sobre as joaninhas.
Carabídeos (escaravelhos predadores) (Carabus sp, Poecilus cupreus, Anchomenus dorsalis, Pseudophonus rufipes, Nebria brevicollis e outros). Apresentam uma grande variedade de cores, formas e tamanhos, dos mais pequenos com 2 mm, até aos maiores que chegam a atingir 4 cm. A maioria são de cor negra, embora se observem reflexos metalizados de diversos tons em muitos deles.
Alimentam-se de ovos de lesmas e de caracóis, como também dos insetos que lhe servem de presas (afídios, larvas de alfinetes, afídeos, psilas, ovos e larvas de coleópteros, como o escaravelho da batateira ou a melolonta (alimenta-se das raízes), de lagartas, larvas e pupas de moscas)
Antocorídeos: Os mais frequentes predadores desta família agrupam-se nos géneros Orius e Anthocoris. Algumas espécies do género Orius são utilizadas contra diversas pragas. Alimentam-se principalmente de ácaros fitófagos, aranhiço-vermelho, tripes e afídeos, psilas, cicadelídeos e pequenas larvas de borboletas. Podem consumir algumas centenas de ácaros e de afídeos num só dia. O seu período de maior atividade e eficácia estende se de junho a setembro.
Os membros do género Anthocoris são importantes predadores de ácaros em pomares e Vinha e de psilas das pereiras. Uma ninfa de Anthocorispode consumir 300 a 600 ácaros nos 20 dias que dura o seu desenvolvimento. A espécie Anthocoris nemorum, com especial interesse nos pomares, pode consumir 120 afídeos apenas durante o período do seu estado de ninfa.
Estafilinídeos: São insetos de coloridos muito diversificados e tamanhos que oscilam entre os 4 e os 40 mm. Aparecem frequentemente em substâncias vegetais ou animais em decomposição. A maioria das espécies é predadora e alimentam-se de ácaros, tisanópteros, ovos de afídeos e outros. Algumas espécies de maior porte também se alimentam de lesmas. Algumas das espécies com interesse como auxiliares, conhecidas em Portugal são: (Philonthus turbidus, Procirrus lefebvrei, Achenium impressiventre, Astenus uniformis, Mimopinophilus siculus).
Coniopterigídeos: Trata-se de insetos minúsculos que muitas vezes passam despercebidos. São predadores de ácaros, dos quais comem os adultos e os ovos, de afídeos, de cochonilhas, aranhiço-vermelho e de mosca-branca. Os adultos são muito vorazes, chegam do a consumir 30 a 40 ácaros por dia. Por sua vez, as larvas consomem 15 a 35 ácaros por dia, conforme o seu estádio de desenvolvimento. Em Portugal são comuns as espécies (Conwentzia pineticula) e (Conwentzia psociformis). Podem por vezes ser confundidos com a mosca-branca devido às semelhanças no aspeto.
Sirfídeos: (Syrphus spp, Episyrphus balteatus) Alimentam-se de afídeos e algumas espécies também comem psilas. As larvas de um elevado número de espécies encontram-se entre os mais cativos predadores de afídeos presentes nos ecossistemas agrícolas. Atacam diversas espécies de afídeos, consumindo todos os membros das colónias junto das quais nasceram ou onde se conseguem instalar. Uma só larva pode destruir 400 a 600 afídeos no decurso dos 8 a 15 dias do seu desenvolvimento.
Cecidomídeos: Em Portugal é muito vulgar e abundante a espécie (Aphidoletes aphidimyza) embora também se encontre a espécie (Dicrodiplosis pseudococci). Na sua fase larvar, alimentam-se essencialmente de afídeos. Na ausência de afídeos, também incluem ácaros e cochonilhas na sua ementa.
Camaemídeos: As larvas de todos as espécies de que se conhecem os hábitos ali mentares em Portugal, são predadoras de afídeos e cochonilhas. No seu ciclo de vida, uma larva de Camaemídeo consome, por exemplo, 20 a 30 afídeos. Espécies: (Leucopis alticeps, Leucopis griseola, Planococcus citri, Parthenolecanium persicae, Pseudococcus longispinus).
Hemerobídeos: Têm muitas semelhanças com as Crisopas. As larvas e os adultos são muito vorazes e alimentam-se sobretudo de afídeos, ácaros, tripes, cochonilha, ovos de borboletas diversas, pequenas lagartas em pomares, batateira, hortícolas, leguminosas e milho. A espécie Hemerobius humulinus L. é comum nos pomares das regiões do Douro e Minho, onde tem no piolho verde da macieira (Aphis pomi) e nos ácaros os seus alimentos preferidos.
Mirídeos: (Macrolophus caliginosus) Alimenta-se da mosca branca das estufas, afídios, larvas mineiras, ninfas de cigarrinhas, tripes, psila da pereira e ácaros. O período de maior atividade e abundância destes insetos úteis nas culturas abrange os meses de julho a setembro.
Aranhas licosídeas: predadores de várias espécies de pragas.
Auxiliares parasitoides mais importantes na luta biológica em Portugal
Himenópteros: Insetos de pequeno porte, com dois pares de asas membranosas e translúcidas. São, geralmente, de cores escuras e de tão pequenas dimensões, que passam quase inteiramente despercebidos. Os himenópteros apresentam graus muito diversos de especialização: desde os monófagos – que apenas atacam uma espécie de hospedeiro ou algumas poucas espécies aparentadas – até aos pantófagos, que não são especializados, parasitando numerosas espécies de insetos. Muitos himenópteros hibernam alojados no interior do organismo hospedeiro.
Parasitam: afídeos, cochonilhas, mosca-branca, psilas, brocas do milho, bichado das maçãs e outras pragas. A espécie Prospaltella perniciosi, é um excelente parasita da cochonilha de São José.
Dentro da ordem dos himenópteros, existem vária família que também são bons auxiliares na luta biológica. Por exemplo:
Afidiídeos: (Aphidius spp.): parasitam diversas espécies de afídios.
Afelinídeos: (Aphelinus mali, Cales noacki, Encarsia formosa) parasitam larvas da mosca branca, piolho-lanígero-da-macieira. A espécie Aphelinus mali, hiberna dentro do hospedeiro.
Tricogramatídeos: (vespas minúsculas) os da espécie Trichogramma spp, parasitam os ovos de numerosas borboletas e traças em várias culturas.