As ondas de calor em Portugal têm vindo a intensificar-se ao longo dos últimos anos, afetando não só a saúde das pessoas e dos animais, mas também as culturas agrícolas e as hortas familiares. Este fenómeno, que se traduz em períodos prolongados de temperaturas muito elevadas, provoca sérios desafios para quem cultiva de forma tradicional ou biológica.
Num contexto de alterações climáticas, proteger a horta do stress térmico tornou-se essencial para garantir colheitas consistentes. Quando não se tomam medidas preventivas, o calor excessivo pode levar à perda total de algumas culturas mais sensíveis, reduzindo o esforço de semanas ou meses de trabalho.
Neste artigo, explicamos em detalhe:
- o que é o stress térmico nas plantas e os seus efeitos,
- as estratégias práticas para proteger diferentes culturas,
- as variações regionais em Portugal e como adaptar as práticas,
- e ainda exemplos de como lidar com o calor em hortícolas mais comuns como tomate, alface, courgette, abóbora e morango.
Tópicos neste artigo
O que é o stresse térmico nas plantas
O stresse térmico ocorre quando as temperaturas ultrapassam o limite que as plantas conseguem tolerar. A maioria das hortícolas desenvolve-se bem entre 18 °C e 28 °C, mas quando os termómetros sobem acima dos 32–35 °C, a fisiologia vegetal começa a ser afetada:
- Fotossíntese comprometida: o calor excessivo reduz a capacidade de converter luz em energia, atrasando o crescimento.
- Perda de água acelerada: as folhas transpiram em excesso, levando ao murchamento.
- Danos físicos: aparecem queimaduras solares em folhas e frutos.
- Problemas reprodutivos: flores caem antes de formar fruto e, em casos extremos, as plantas deixam de produzir.
- Alteração do sabor: em alfaces, o calor induz o espigamento precoce, tornando as folhas mais amargas.
Embora todas as plantas sofram em algum grau, hortaliças de folha e frutos pequenos são geralmente as mais vulneráveis.
Estratégias práticas para proteger a horta das ondas de calor

Criar sombra eficaz
A sombra reduz a intensidade da radiação solar direta e ajuda a baixar a temperatura em redor das plantas. Algumas opções:
- Telas de sombreamento: podem ser compradas com diferentes níveis de filtragem (30%, 50% ou até mais, consoante a necessidade). São leves, fáceis de montar e adaptam-se a hortas de qualquer dimensão.
- Estruturas naturais: plantar milho, girassóis ou feijões trepadores em linhas estratégicas pode criar sombra parcial sobre culturas mais frágeis.
- Treliças, pérgulas ou arcos: ideais para apoiar trepadeiras como chuchu, abóbora ou feijão-de-corda, criando zonas frescas na horta.
Dica prática: em culturas de alface ou espinafre no verão, colocar uma tela de sombreamento de 50% pode significar a diferença entre folhas queimadas e uma colheita viável.
Rega inteligente
A rega é crucial durante as ondas de calor, mas a forma como é feita pode potenciar ou reduzir o stress térmico.
- Rega por gotejamento: fornece água diretamente às raízes, com menos desperdício por evaporação.
- Horário da rega: regar de manhã cedo ou ao final da tarde evita choques térmicos e melhora a absorção.
- Nebulização controlada: útil em dias extremos, refresca as folhas e reduz a temperatura do ambiente.
- Atenção às raízes: excesso de rega pode asfixiar as raízes; o ideal é manter o solo húmido mas não encharcado.
Exemplo: tomateiros beneficiam de rega profunda e regular, enquanto alfaces precisam de regas mais frequentes mas ligeiras.

Cobertura morta (mulching)
O mulching é uma técnica indispensável em climas quentes. Consiste em cobrir o solo em redor das plantas com palha, folhas secas, aparas de relva ou casca de pinheiro.
Benefícios:
- Reduz a evaporação da água,
- Mantém a temperatura do solo estável,
- Evita que a superfície resseque e forme crostas,
- Controla ervas espontâneas que competem por recursos.
Exemplo: em culturas de courgette ou melão, o mulching evita que os frutos fiquem em contacto direto com o solo quente, reduzindo queimaduras e podridões.

Manter o solo fértil e equilibrado
Plantas fortes resistem melhor ao calor. Para isso:
- Incorporar composto bem decomposto no solo antes das plantações de verão.
- Reforçar com fertilizantes líquidos orgânicos (como chorume de urtiga ou de consolda) durante o ciclo de crescimento.
- Evitar fertilizações ricas em azoto em pleno verão, pois estimulam folhas muito tenras, mais suscetíveis ao calor.
Escolher variedades resistentes ao calor
A escolha da variedade pode determinar o sucesso da colheita.
- Tomate: variedades tradicionais como “coração-de-boi” ou “chucha” toleram melhor o calor do que híbridos muito precoces.
- Alface: as do tipo romana resistem mais ao espigamento.
- Espinafre: em vez do comum, optar por espinafre-de-malabar (Basella alba), que cresce bem no verão.
- Feijão: algumas variedades de trepar toleram melhor altas temperaturas do que as rasteiras.
Exemplos de culturas sensíveis ao calor
Tomateiro
Embora seja uma planta de clima quente, quando as temperaturas ultrapassam os 35 °C, o pólen perde viabilidade e a floração cai.
- Medida chave: sombra parcial nas horas críticas e rega profunda.
Alface
É uma das hortícolas mais frágeis no verão. Espiga rapidamente e torna-se amarga.
- Medida chave: telas de sombreamento e sementeira escalonada em locais frescos.
Curgete
Tolera melhor o calor, mas os frutos podem ficar queimados se expostos diretamente ao sol.
- Medida chave: mulching e folhas maiores não devem ser retiradas, pois ajudam a sombrear os frutos.
Morangueiro
Sofre com calor intenso e falta de água, originando frutos pequenos e secos.
- Medida chave: rega frequente, cobertura morta e, se possível, sombreamento parcial.
Diferenças regionais em Portugal
Norte
Clima mais húmido e noites frescas, mas com maior risco de fungos durante ondas de calor húmidas.
- Prioridade: rega moderada, ventilação e prevenção de doenças.
Centro
Verões quentes, com grande variação entre dia e noite.
- Prioridade: mulching e sombreamento em culturas de folha.
Alentejo
A região mais crítica devido às temperaturas extremas e falta de água.
- Prioridade: rega gota-a-gota eficiente, variedades resistentes e sombreamento fixo.
Algarve
Semelhante ao Alentejo, mas com vento seco que agrava a perda de água.
- Prioridade: proteção contra vento (sebes ou barreiras naturais) e gestão rigorosa da irrigação.
Ilhas (Açores e Madeira)
Menos sujeitas a extremos, mas com elevada humidade que potencia fungos.
- Prioridade: garantir boa ventilação das culturas e rega equilibrada.
Conclusão
As ondas de calor em Portugal estão a tornar-se cada vez mais frequentes e intensas, exigindo adaptações no cultivo de hortas familiares. A combinação de sombra, rega adequada, cobertura morta, fertilização equilibrada e variedades resistentes é a chave para reduzir os efeitos do stress térmico.
Cada região do país apresenta desafios específicos, pelo que é importante ajustar as práticas locais às condições do clima. Ao aplicar estas estratégias, é possível manter uma horta produtiva e saudável, mesmo em verões quentes e secos, garantindo alimentos frescos e de qualidade durante todo o ano.


























